Mais de 2 milhões de fiéis acompanham o Círio de Nazaré

14/10/2012 16:32

Por Marivaldo Silva // Folhaamazonica.com

 

A procissão católica paraense já é considerada por especialistas como o maior evento religioso do planeta.

Fieis se esforçam para agarrar a corda do Círio de Nazaré

Belém - A dona de casa Marilza Ferreira, 76 anos, garante ter sido curada de um câncer na garganta. O operário Antonio Cláudio Carvalho, 49 anos, carrega na cabeça uma casa feita de isopor. Perto dele, o microempresário Paulo Cícero Favacho, 37, caminha no meio da multidão com os braços levantados, exibindo a réplica de um cigarro gigante. Essas pessoas, que nunca se viram antes, reuniram-se para o pagamento de promessas por graças alcançadas durante o Círio de Nazaré, que arrastou neste domingo pelas ruas centrais de Belém (PA), num percurso de 3,6 km, uma multidão de fiéis calculada pela Polícia Militar em 2,2 milhões.

A procissão católica paraense já é considerada por especialistas como o maior evento religioso do planeta, superando inclusive a peregrinação muçulmana a Meca de homenagens ao profeta Maomé. Para se ter uma ideia de sua grandeza, ela reuniu nas últimas 72 horas, em onze romarias por Belém e região metropolitana, um público superior a 5 milhões de pessoas, incluindo 80 mil turistas de todo o Brasil e de outros países que superlotam os hotéis, pousadas e até motéis da cidade.

"Eu estava desenganada pelos médicos e foi Nossa Senhora de Nazaré quem me salvou", relatou Marilza, que largava um terço que levava na mão. Ela disse que os últimos exames revelaram que o câncer desapareceu de seu organismo. Para Carvalho, a compra da casa própria foi o fim do pesadelo do aluguel, que consumia mais de 60% do orçamento familiar. "Foi a Nazinha", comemora o trabalhador, referindo-se ao apelido como a santa é carinhosamente chamada pelo povo. Favacho, por sua vez, parou de fumar e atribui a abstinência de quase um ano do cigarro aos inúmeros pedidos de ajuda à santa.

O trio de pagadores de promessas integrava um contingente de 7,5 mil devotos que acompanharam a procissão segurando uma corda de 400 metros atrelada à berlinda com a imagem da santa, que saiu da Catedral da Sé às 6 da manhã e só chegou à Praça do Santuário, onde fica a Basílica de Nazaré, às 12h30. Entre os torcedores do Paysandu e do Clube do Remo, dois clubes que reúnem as maiores torcidas do Norte e Nordeste do País, dois paulistas que vieram passar o Círio chamavam a atenção.

Com a camisa do Palmeiras, Luis Bentes e Leonardo Pinho fizeram dois pedidos à santa: o primeiro foi de "saúde à família", enquanto o outro foi de acompanhar a procissão na corda, em 2013, caso o Palmeiras não seja rebaixado para a Série B do Campeonato Brasileiro. Para suportar tanto sacrifício, Bentes e Pinho, assim como outros fiéis, recebiam garrafas com água mineral para beber, molhar as mãos e os pés descalços que ardiam no asfalto quente.

Segurança e grandiosidade

A segurança dos romeiros exigiu este ano a mobilização de 10 mil homens das Polícias Militar e Civil, além do Exército e Aeronáutica. Seis mil estudantes de colégios de Belém, universitários, grupos de amigos e vizinhos de bairros, juntamente com outros 1,2 mil voluntários da Cruz Vermelha ajudaram a socorrer mais de 700 pessoas que passaram mal durante as seis horas da romaria. Elas eram atendidas por médicos e enfermeiros em barracas improvisadas nas praças. Os casos mais comuns foram de pessoas que desmaiaram devido ao forte calor ou por não estarem bem alimentadas ao sair de casa.

Para o professor e doutor em história da Universidade Federal do Pará (UFPA), Aldrin Figueiredo, é difícil alguém ficar indiferente à grandiosidade que gira em torno do Círio de Nazaré "O Círio tem o aspecto de sociabilidade, é um modo de dividir, de partilhar a crença. Ele é vivamente isso", disse Figueiredo.

Segundo o professor, o Círio tem um aspecto medieval, por isso que a imagem da santa é venerada como se fosse uma rainha. Ela percorre todo o trajeto como se fosse uma realeza, juntando elementos de uma procissão da idade média, onde bispos, governantes, escolas, institutos, sociedades, militares, associações estão presentes até hoje.

Apesar de algumas mudanças nas características e em cada época uma ou outra associação se juntar à procissão, a mesma estrutura continua. Apesar de Belém já ser uma metrópole, observou Figueiredo, ela mantém esse aspecto coletivo do Círio. "A sociedade hoje tende ao individualismo, porém o Círio e a festa de Nazaré, com um todo, enfatiza o lado coletivo."